Diários de Lisboa

Um comentario por dia, dá direito a uma lobotomia...

segunda-feira, junho 09, 2003

A arte do tédio

Bulício da cidade - eis uma expressão buliciosa que não promete nada de bom.
Bulício parece jargão médico para definir uma doença venérea ou congénita que aflige as artérias da cidade. Contra o bulício não há nada a fazer. Não há paliativos, prozac´s, sedativos que reduzam o bulício.
O bulício é a peste negra dos urbanos, é como Átila o flagelo de Deus, e para o combater só nos resta o tédio.
O tédio das horas mortas, passadas devagar a fugir do sol. O tédio de fumar cigarros vagarosos e contar as caganitas de pombo cristalizadas nas estátuas dos nossos infantes. Contra o bulício, cultivemos o tédio de nunca ir ao teatro, de chegarmos sempre atrasados a tudo - porque como dizia o Oscar Wilde - a pontualidade é uma perda de tempo.
Passar ao lado de cinemas, soirés, leitarias, tremoços e aguardentes de má índole, como o diabo passa desdenhoso da cruz, eis como combater o bulício.
Virando sistematicamente as costas ao Tejo, aos miradouros, aos polícias e aos cães dos polícias. Escrevr num post-it a palavra idiota e espetá-lo na testa, passeando um ganso de papillon pelo Chiado abaixo, Chiado acima.
Eis como dar cabo do Bulício. Com o tédio, saboreando o tédio, o glorioso tédio que não é mais do que desperdiçar o tempo como um escroque espatifa as fortunas de viúvas ricas. Cultivando a arte do tédio podemos sobreviver ao bulício e olhar para o céu para ver as horas a passar.
Gostava de viver numa cidade onde o tempo só fosse sensível pelo alastrar da sombra. Gostava de viver numa cidade onde o tempo comesse milho na minha mão, em vez de cagar nas estátuas dos infantes e me perseguir pelas artérias esclerosadas da Cidade.

Vodka 7