Diários de Lisboa

Um comentario por dia, dá direito a uma lobotomia...

terça-feira, junho 24, 2003

S/ Título

As dificuldades adensam-se e isso não deveria estar na exacta proporção do fascínio. Digo, a exaltação também tem os seus pés de barro – como os santos, aliás! Digo-o porque sou subitamente assaltado pelo temor do humano, ou melhor, pelo que sobre ele está inscrito na fragilidade do papel. O que está escrito como ideia (para) das pessoas nunca poderá reduzir (explicar, definir, estruturar, prever) a extensão do humano. Este é algo que acontece quando é, explica-se a ele próprio na acção. Uma acção animada por uma miríade de paixões tão vastas e nebulosas como a palavra.
Fatalmente somos também reféns do sonho. Somos barro feito de ideais embebidos na voz e nas mãos, que tentamos moldar pelas acções. E é nesse ofício que, não raras vezes, abdicamos. Ou porque esquecemos ou porque a construcção do nosso mundo faz-se como um puzzle.
Pode ser uma questão de contexto ou de contextos para os quais é constantemente necessário encontrar as peças adequadas - é a fragilidade do poder. Ou pode ser uma questão de sonho diurno, de enfatuamento total pela procura das peças - é a fragilidade das cores.
Não se trata aqui do velho cliché da conjugação dos opostos, porque entre eles existem atracções. O sonho é centrífugo e a acção centrípeta – os conflitos gritam a sua inevitabilidade na concretização da vida. Somos selectivos porque nos ideais não cabe tudo o que somos; e somos imperfeitos porque nunca alcançaremos essa plenitude da soma abstracta de acções e paixões. A realidade acende-se-nos unicamente no limite de cada passo. Não mais. Essa é a moral possível desta história de reconcliliação: os olhos que carregam os sonhos é que vêem onde pomos os pés.

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