Diários de Lisboa

Um comentario por dia, dá direito a uma lobotomia...

quinta-feira, julho 10, 2003

O semáforo que gostava de assobiar melodias do Sinatra

Gosto da hesitação periclitante dos semáforos. Gosto da passada enérgica do homenzinho que figura estático no rectângulo iluminado de um semáforo.
Preso numa gaiola ele continua a sua caminhada enérgica, como se houvesse pressa em chegar a lado nenhum, que é isso que ironicamente fazemos - passadas enérgicas, rostos decididos, vozes autoritárias; trilhamos caminhos certos para chegar a lugar nenhum. Prefiro sentar-me e esperar que o semáforo mude de cor.
Gosto daquele amarelo hesitante que divide o mundo entre os apressados e os conformados. Entre um vermelho proibitivo e o verde libertino, prefiro mil vezes experimentar e saborear a angústia do amarelo, prenúncio de paragem.

Tiro as mãos dos bolsos e solto as lagartixas para desentorpecerem as pernas na borda do passeio. Fixo os olhos no rubor do homenzinho enjaulado no semáforo e escuto um som. Um som sibilino que se vai transformando em melodia familiar. Reparo que o homenzinho vermelho enjaulado no semáforo tem as mãos nos bolsos e assobia de soslaio uma musiquinha do Sinatra - "Start spreading the news, i`m leaving today."
Há um autocarro que ronca carrancudo, uma moto que resfolga histérica e um taxista que esbraceja com o homenzinho vermelho, que impávido continua feliz a assobiar músicas do Sinatra.
Entretanto as lagartixas brincam à apanhada na borda do passeio - uma grita: Partida, Lagarta, fugida. O autocarro arranca a custo e rezingão, o taxista acelera desalmadamente e a moto lança gritos lancinantes.
Eu, permaneço sentado na borda do passeio à procura do homenzinho que assobiava musiquinhas do Sinatra dentro do semáforo. Desapareceu, resta apenas um círculo verde de raiva.

Vodka7