Diários de Lisboa

Um comentario por dia, dá direito a uma lobotomia...

sexta-feira, julho 25, 2003

Os dias em chamas

Não há visão mais dantesca ou experiência mais violenta do que um incêndio florestal. O cheiro a morte queimada, o dia enegrecido a fumo e o barulho sibilante das árvores em combustão é algo que se crava na retina como garras. Subir a um monte mais elevado e olhar em redor a desolação fumegante é como estar num dos círculos esquecidos do Inferno de Dante e só não gritar de raiva porque simplesmente o sangue fica mudo e a boca sêca de espanto. E há ainda aquela dor fina e insidiosa por perder algo que é nosso.

É neste Portugal que vivo, onde se eleva o ridículo a uma forma de arte e onde se deixa arder absurdamente um dos seus maiores patrimónios ambientais. Dizem as vozes mais informadas que se na Amazónia ardesse em proporção o que arde em Portugal, o mundo estava em pânico. E por cá, alguém está em pânico?… Eu, pelo menos, não estou. Eu estou catatónico, estupefacto, já só sinto uma raiva dormente. Perceber que toda a gente se está nas tintas é mutilar aos poucos essa crença inata nos homens.

As culpas diluem-se num crime que é de todos: os incendiários escapam-se, os proprietários dos terrenos florestais encolhem os ombros, os bombeiros fazem o que podem, os políticos não fazem o que deviam e nós assistimos a tudo de telecomando na mão. Restam os dias em chamas.

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