Diários de Lisboa

Um comentario por dia, dá direito a uma lobotomia...

quinta-feira, dezembro 16, 2004


de avental no Convento dos Cardais

Dia de chuva. Domingo. Rua do Século a meio da tarde. No interior do Convento dos Cardais oferecem chá e doces a quem se oferecer para ajudar a recuperar o edifício. Pareceu justo por cinco euros. Nos claustros inferiores decorria um bazar, uma espécie de quermesse em ambiente caseiro tal era a enorme profusão de cabelos brancos e de famílias em passeio de fim-de-semana. Algumas bancas davam-se a tiques de feira da ladra, tantas eram as bugigangas vendidas. É natal e é oportuno.
O surrealismo adensa-se quando subimos ao primeiro andar para reclamar o prometido lanche de beneficiência. Foi como se atravessásemos um cenário onírico nas pranchas de Corto Maltese: um lago interior, velas pelo chão, mesas dispostas com simplicidade. Mergulhamos num ambiente amniótico mesmo no centro da capital. Um altar ao centro exibia à gula os bolos confecionados por mão caseira: bendita culinária das avozinhas! E tantas que elas eram esvoaçando de avental em redor da mesa, orgulhosas por terem contribuído com os seus doces e espiando qual tinha mais saída. Visto do canto onde nos sentávamos este bailado sexagenário era um autêntico quadro vivo. Parecia plausível que as avós fossem fabricadas ali no Convento dos Cardais, tal como os bolos, numa mistura de ingredientes açucarados e odor a alfazema.
Por esta altura o enredo, enfeitiçado pelo morno ronronar da barriguinha cheia, vacilava no abismo da escrita rosa-harlequin quando sofre um golpe de teatro inesperado. Por entre o vaivém de avós atarefadas que nos serviam surge a Zita Seabra. Sorriu, perguntou se queríamos mais alguma coisa e levantou os pratos todos rapadinhos. Também estava de avental, peça que envergada por alquimistas em conventos é decerto guardiã de mistérios e vontades herméticas. Mas não sou eu que vou chamar "grão-mestre" a alguém como a Zita Seabra só para ver se saco uma fatia de bolo de borla!
Só muito mais tarde abandonei a teoria que uma sociedade secreta vivia nos claustros do Convento dos Cardais, praticando o bem no mundo ao fabricar avós e doces conventuais.
Mas…a Zita Seabra?!

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Governo bastardo

O Samapaio deu o mote... com quatro meses de atraso, mas deu. E esperemos que este caso faça jurisprudência política: não se substituem governos como numa sucessão dinástica, porque lhes falta a credibilização político-social necessária do voto! Não é por isso que vivemos numa república? E não terá sido por isso (mais do que pelas sucessivas trapalhadas) que, logo à partida, ninguém repeitou verdadeiramente este governo? Nem mesmo os seus próprios membros? O Santana enganou-se grotescamente na figura da metáfora: o seu governo não é um recém-nascido doente, mas sim um bébe bastardo!