Gosto da hesitação periclitante dos semáforos. Gosto da passada enérgica do homenzinho que figura estático no rectângulo iluminado de um semáforo.
Preso numa gaiola ele continua a sua caminhada enérgica, como se houvesse pressa em chegar a lado nenhum, que é isso que ironicamente fazemos - passadas enérgicas, rostos decididos, vozes autoritárias; trilhamos caminhos certos para chegar a lugar nenhum. Prefiro sentar-me e esperar que o semáforo mude de cor.
Gosto daquele amarelo hesitante que divide o mundo entre os apressados e os conformados. Entre um vermelho proibitivo e o verde libertino, prefiro mil vezes experimentar e saborear a angústia do amarelo, prenúncio de paragem.
Tiro as mãos dos bolsos e solto as lagartixas para desentorpecerem as pernas na borda do passeio. Fixo os olhos no rubor do homenzinho enjaulado no semáforo e escuto um som. Um som sibilino que se vai transformando em melodia familiar. Reparo que o homenzinho vermelho enjaulado no semáforo tem as mãos nos bolsos e assobia de soslaio uma musiquinha do Sinatra - "Start spreading the news, i`m leaving today."
Há um autocarro que ronca carrancudo, uma moto que resfolga histérica e um taxista que esbraceja com o homenzinho vermelho, que impávido continua feliz a assobiar músicas do Sinatra.
Entretanto as lagartixas brincam à apanhada na borda do passeio - uma grita: Partida, Lagarta, fugida. O autocarro arranca a custo e rezingão, o taxista acelera desalmadamente e a moto lança gritos lancinantes.
Eu, permaneço sentado na borda do passeio à procura do homenzinho que assobiava musiquinhas do Sinatra dentro do semáforo. Desapareceu, resta apenas um círculo verde de raiva.
Vodka7