Diários de Lisboa

Um comentario por dia, dá direito a uma lobotomia...

quarta-feira, julho 30, 2003

O seu a seu dono

ATENÇÃO, ATENÇÃO, AOS QUERIDOS PASTILHAS, DESVIADOS PARA ESTE BLOGUE PELA SIMPÁTICA INFLUÊNCIA DO MESTRE MEC.

ESTE BLOGUE NÃO É MEU. ESTE BLOGUE NÃO É O BLOGUE DO VODKA 7 (O MEU ESTÁ EM DESCONSTRUCÇÃO).

Este blogue é da irresponsabilidade dos seus responsáveis. No caso o meu querido amigo YURI.
Diários de Lisboa é uma patente exclusiva do Yuri, eu e o meu amigo B-Line (o nosso correspondente na Beira Baixa), somos apenas ´partners in crime`. Aliás, os textungos estão todos assinados.
Posto isto, volto a ligar-me à máquina .... de ar condicionado, à espera das 5.00 para beber o meu gin tónico.

Escrupulosamente
Vodka7

sexta-feira, julho 25, 2003

Os dias em chamas

Não há visão mais dantesca ou experiência mais violenta do que um incêndio florestal. O cheiro a morte queimada, o dia enegrecido a fumo e o barulho sibilante das árvores em combustão é algo que se crava na retina como garras. Subir a um monte mais elevado e olhar em redor a desolação fumegante é como estar num dos círculos esquecidos do Inferno de Dante e só não gritar de raiva porque simplesmente o sangue fica mudo e a boca sêca de espanto. E há ainda aquela dor fina e insidiosa por perder algo que é nosso.

É neste Portugal que vivo, onde se eleva o ridículo a uma forma de arte e onde se deixa arder absurdamente um dos seus maiores patrimónios ambientais. Dizem as vozes mais informadas que se na Amazónia ardesse em proporção o que arde em Portugal, o mundo estava em pânico. E por cá, alguém está em pânico?… Eu, pelo menos, não estou. Eu estou catatónico, estupefacto, já só sinto uma raiva dormente. Perceber que toda a gente se está nas tintas é mutilar aos poucos essa crença inata nos homens.

As culpas diluem-se num crime que é de todos: os incendiários escapam-se, os proprietários dos terrenos florestais encolhem os ombros, os bombeiros fazem o que podem, os políticos não fazem o que deviam e nós assistimos a tudo de telecomando na mão. Restam os dias em chamas.

B-Line

quinta-feira, julho 24, 2003

Uma fera a dias

Normalmente dormia um sono vigilante, ronronado pequenos suspiros que se expiravam entre as grades, com um hálito quente, que acariciava os rostos com uma máscara de temor. Um dia, abriu a boca com um rugido de espreguiça e dilacerou uma mosca que esvoaçava por perto. Arrotou com cerimónia e voltou a adormecer, ronronando com um hálito a mosca a expirar entre os dentes. Um turista japonês que por ali passava fixou o momento para a posteridade com a sua Nikon automática e chamou à foto “O tigre adormecido”. O papa-formigas indignado com a falta de atenção mediática, em gesto de protesto fez greve de fome, o que como se deve calcular teve reflexos óbvios na densidade populacional do formigueiro central e provocou graves desiquilibrios ecológicos.

Vodka7

Assalto a betão armado

Segundo fontes geralmente mal informadas as colunas fugiram para parte incerta.
Na altura do seu desaparecimento envergavam uma gabardine lilás, com uma saia estampada com orquídeas e saltos pontiagudos que lhe davam um andar colossal e misterioso. Apresentavam também sérios sinais de distúrbios mentais e suspeita-se ainda que se amantizaram num delirante ménage a trois com uma betoneira e uma retro-escavadora (ambas de duvidosas inclinações sexuais). Se alguém as encontrar, por favor contacte a TVI, que como de costume está com falta de assunto para encher os telejornais merdosos. Caso contrário, proponho que em vez de cais das colunas, aquele local se passe a chamar o cais do assalto a betão armado, sempre é mais consentâneo com o progresso.

Vodka 7

quinta-feira, julho 10, 2003

O semáforo que gostava de assobiar melodias do Sinatra

Gosto da hesitação periclitante dos semáforos. Gosto da passada enérgica do homenzinho que figura estático no rectângulo iluminado de um semáforo.
Preso numa gaiola ele continua a sua caminhada enérgica, como se houvesse pressa em chegar a lado nenhum, que é isso que ironicamente fazemos - passadas enérgicas, rostos decididos, vozes autoritárias; trilhamos caminhos certos para chegar a lugar nenhum. Prefiro sentar-me e esperar que o semáforo mude de cor.
Gosto daquele amarelo hesitante que divide o mundo entre os apressados e os conformados. Entre um vermelho proibitivo e o verde libertino, prefiro mil vezes experimentar e saborear a angústia do amarelo, prenúncio de paragem.

Tiro as mãos dos bolsos e solto as lagartixas para desentorpecerem as pernas na borda do passeio. Fixo os olhos no rubor do homenzinho enjaulado no semáforo e escuto um som. Um som sibilino que se vai transformando em melodia familiar. Reparo que o homenzinho vermelho enjaulado no semáforo tem as mãos nos bolsos e assobia de soslaio uma musiquinha do Sinatra - "Start spreading the news, i`m leaving today."
Há um autocarro que ronca carrancudo, uma moto que resfolga histérica e um taxista que esbraceja com o homenzinho vermelho, que impávido continua feliz a assobiar músicas do Sinatra.
Entretanto as lagartixas brincam à apanhada na borda do passeio - uma grita: Partida, Lagarta, fugida. O autocarro arranca a custo e rezingão, o taxista acelera desalmadamente e a moto lança gritos lancinantes.
Eu, permaneço sentado na borda do passeio à procura do homenzinho que assobiava musiquinhas do Sinatra dentro do semáforo. Desapareceu, resta apenas um círculo verde de raiva.

Vodka7